Considerando a vasta extensão territorial do Brasil, é possível encontrar populações não só em áreas urbanas e rurais, mas também ao longo das margens dos rios, conhecidas como comunidades ribeirinhas. O termo “ribeirinho” refere-se a qualquer grupo populacional que reside nas proximidades dos rios.
Saúde das comunidade ribeirinhas
Como é a saúde dos ribeirinhos?
As comunidades ribeirinhas estão isoladas não apenas culturalmente, mas também em termos de acesso à informação, educação e saúde. O rio desempenha papéis diversos nesse contexto, servindo como meio de contato, barreira e até mesmo como ponte ambiental, influenciando as interações sociais.
A saúde dessas populações recebe atenção por meio da Política Nacional de Atenção Básica, regulamentada pelas Portarias MS/GM nº 2.488 e 2.490, ambas de 2011. As Equipes de Saúde da Família Ribeirinhas (eSFR) operam principalmente em Unidades Básicas de Saúde (UBS) localizadas em comunidades ribeirinhas acessíveis por via fluvial. Devido à dispersão geográfica, embarcações são essenciais para alcançar as comunidades que estão espalhadas pelo território.
O desafio reside em garantir um atendimento de qualidade, adaptando-se a estruturas não convencionais. Por isso, o Ministério da Saúde destina recursos federais para as Unidades Básicas de Saúde Fluvial (UBSF), buscando suprir as necessidades específicas dessas comunidades.
Apesar dos esforços em implementar políticas nacionais de saúde, como ocorre em todo o Brasil, fica evidente que muitas vezes essas medidas não são suficientes para atender às necessidades das comunidades ribeirinhas. Anos se passaram, e a saúde dessas populações ainda permanece fragilizada, muitas vezes dependendo também de expedições voluntárias para suprir lacunas deixadas pelos sistemas de saúde estabelecidos.
Quais são as principais doenças encontradas nas comunidades ribeirinhas?
As comunidades ribeirinhas enfrentam uma série de desafios de saúde devido à falta de acesso adequado aos serviços médicos e sanitários. Essa realidade muitas vezes leva os residentes a buscarem soluções para seus problemas de saúde na natureza e em práticas místicas, refletindo uma condição de vida marcada pela ausência de saneamento básico, carência de assistência médica adequada, hábitos alimentares precários e condições de habitação deficientes.
O modo de vida dessas comunidades, incluindo seus costumes, dieta e práticas de higiene, tem um impacto direto em sua saúde e bem-estar, expondo-os a uma série de doenças associadas à pobreza, sejam elas infecciosas ou não.
Principais desafios de saúde:
Doenças transmitidas pela água:
A escassez de acesso à água potável e a sistemas de saneamento adequados aumenta a incidência de doenças como diarreia, cólera e hepatite A. A contaminação da água por bactérias, vírus e parasitas representa uma preocupação constante nessas regiões.
Doenças tropicais negligenciadas:
Muitas comunidades ribeirinhas estão situadas em áreas endêmicas para doenças tropicais negligenciadas, como malária, dengue, febre amarela e leishmaniose. A falta de programas eficazes de controle de vetores e o acesso limitado a medidas preventivas aumentam a vulnerabilidade dessas populações a essas enfermidades.
Doenças de pele e parasitárias:
Condições dermatológicas, como infecções fúngicas e parasitárias, são comuns devido às condições precárias de higiene e à exposição a ambientes úmidos. Doenças transmitidas por parasitas, como esquistossomose e doença de Chagas, também são preocupações de saúde pública nessas comunidades.
Desnutrição e doenças nas comunidades ribeirinhas:
A falta de acesso a uma alimentação adequada e diversificada pode levar à desnutrição e a uma série de doenças relacionadas, como anemia, raquitismo e deficiências vitamínicas.
Desigualdade no acesso à saúde.
As comunidades ribeirinhas possuem o direito fundamental à saúde?
Atualmente, é evidente que o Brasil enfrenta desafios significativos relacionados ao saneamento e à saúde pública, heranças do período colonial. Doenças que já foram erradicadas em países desenvolvidos ressurgem aqui devido à falta de políticas sociais e sanitárias eficazes. Segundo dados do Instituto Trata Brasil (2017), o saneamento básico continua sendo um serviço extremamente deficitário no país, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.
Um exemplo alarmante desse descaso é a cidade de Ananindeua, no Pará, onde apenas 2% da população tem acesso ao tratamento de esgoto. O estado do Amazonas também figura entre os piores do país em termos de coleta e tratamento de resíduos, ocupando o sétimo lugar, atrás apenas de Roraima, Maranhão, Piauí, Pará, Rondônia e Amapá.
O acesso à saúde é um direito fundamental estabelecido pela Constituição de 1988, porém, sua efetivação ainda é um desafio, especialmente para as comunidades mais remotas, que frequentemente carecem dos serviços básicos de saúde, educação e transporte.
As comunidades ribeirinhas enfrentam desafios adicionais devido à falta de acesso rodoviário e problemas logísticos, como a demora das Secretarias de Saúde em prestar atendimento às localidades mais distantes, o que pode levar até três dias.
Essas condições precárias de saúde e saneamento contribuem para o surgimento de doenças gastrointestinais entre a população ribeirinha, devido ao consumo de água contaminada.
Portanto, as comunidades ribeirinhas acabam dependendo de embarcações para receber atendimento, já que muitas vezes estão isoladas dos serviços essenciais.
Barco Hospital Papa Francisco
Originado pela Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus, o Barco de Saúde Papa Francisco na Providência de Deus foi oficialmente lançado em 17 de agosto de 2019, nas águas de Belém, Pará. Ancorado em Óbidos, sua missão abraça mais de mil comunidades ribeirinhas na vastidão da Amazônia.
O conceito floresceu durante a Jornada Mundial da Juventude de 2013, quando o Papa Francisco esteve na cidade do Rio de Janeiro. Durante esse encontro, ele indagou ao Frei Francisco sobre a presença da Fraternidade na Amazônia. Ao ouvir a resposta negativa, o Santo Padre prontamente instruiu: “Então devem ir!”.
Movidos por esse chamado, abraçaram a missão com fervor. Reconheceram que o hospital precisava alcançar aqueles que mais necessitavam. Assim, após árduo planejamento e trabalho, o “barco hospital” zarpou para seus deveres em setembro de 2019.
Com 32 metros de comprimento, o hospital flutuante abriga uma equipe fixa de 20 membros, além de mais de 10 voluntários em cada expedição, que se estende por 7 a 10 dias.
Seu interior ostenta uma estrutura moderna, incluindo consultórios médicos e odontológicos, sala cirúrgica, laboratório, farmácia, e leitos de enfermaria. Equipado com tecnologias como raio-X digital e ultrassom, o barco oferece cuidados médicos básicos e realiza exames preventivos, incluindo triagem para detecção precoce do câncer.
O primeiro andar abriga os equipamentos essenciais, enquanto o terceiro oferece alojamentos, refeitório e áreas administrativas. O quarto andar serve como espaço para eventos comunitários, missas e relaxamento.
Para agilizar os serviços, o Barco de Saúde conta com o apoio de duas “ambulanchas”, uma para triagem nas comunidades e outra equipada para emergências. E assim, a dinâmica do projeto funciona de maneira bastante organizada.
GCA na 64ª expedição do Barco Hospital Papa Francisco
Inspirado pela necessidade de contribuir em projetos sociais de forma mais ativa, o Grupo Care Anestesia (GCA) teve a iniciativa de participar do Barco Hospital Papa Francisco na Providência de Deus. O anestesiologista Dr. Juliano Antonio Aragão Bozza (CRM 121.502) representou o time GCA na 64ª expedição, que ocorreu em dezembro de 2022. Foi a primeira vez que o GCA se juntou à essa ação.
A jornada do Dr. Juliano Bozza teve início com uma viagem de Campinas (SP) até Belém (PA). De lá, navegou por aproximadamente 7 horas pelas águas do Rio Amazonas e seus afluentes até alcançar o destino final: a Comunidade de Santo Antônio e o Porto de Óbidos.
O médico anestesiologista destaca que as comunidades locais muitas vezes enfrentam dificuldades para acessar cuidados básicos de saúde e até mesmo cirurgias essenciais para continuar suas atividades de subsistência, como a pesca. “Essas comunidades enfrentam desafios significativos para obter assistência médica e odontológica, devido à distância e ao custo do deslocamento. O Barco Papa Francisco está aqui para oferecer apoio a eles”.
Os imprevistos da Expedição
Como em toda jornada, situações inesperadas podem acontecer. Na missão voluntária do Dr. Juliano Bozza não seria diferente. No segundo dia de expedição a embarcação passou por problemas elétricos, um contratempo crítico, já que a sua tecnologia é dependente da eletricidade. “Era nítido nos rostos da tripulação a apreensão e a tristeza diante da possibilidade de suspender os atendimentos”, relata o médico do GCA. Felizmente, o imprevisto foi solucionado e o compromisso pôde continuar.
O mergulho em cada história
As vivências que passam pelo Barco Hospital Papa Francisco comovem e despertam o lado humano. Um dos atendimentos que marcaram o Dr. Juliano Bozza foi o de uma criança com paralisia cerebral, que precisava extrair mais de 10 dentes. A menina sentia dor há meses e estava sem comer direito. Por meio de sua atuação, fora possível fazer a analgesia e sedação necessária para que o procedimento fosse realizado de forma exitosa.
Saiba mais sobre a diferença entre analgesia, sedação e anestesia.
“Ao término, já na recuperação, recebi um abraço da irmã da paciente, que era uma ajudante da tripulação. Ela disse que tínhamos mudado não só a vida da criança, como também de toda a família que estava sofrendo”. O anestesiologista revelou que retornar para a sua realidade em Campinas foi um choque, mas conseguiu trazer muitos aprendizados das duras histórias para o seu dia a dia.
A missão e o dever cumprido
A 64ª expedição do projeto foi um sucesso. A equipe da embarcação realizou:
- 6.054 atendimentos;
- 1.923 exames laboratoriais;
- 125 cirurgias;
- 354 testes oftalmológicos;
- Distribuição de 624 kits de farmácia;
- 18 mamografias;
- 18 raios X;
- 87 coletas de papanicolau;
- 16 testes de covid.
A sensação de missão cumprida emociona voluntários e tripulantes.
“Carrego ao fim desta jornada reflexões e agradecimentos. E fica claro que o impacto na transformação pessoal leva para uma melhora do coletivo. Agradeço ao Grupo Care Anestesia pelo apoio, a todos os envolvidos no projeto e à minha família, que me faz ser melhor a cada dia.”, finaliza o anestesiologista.
Depois desta 1ª experiência, o Grupo Care Anestesia participou de outras expedições, com a participação de outros médicos do grupo.
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