A busca pela segurança no cenário de procedimentos anestésicos cirúrgicos é universal e representou um dos desafios mais significativos na área da saúde. Nesse sentido, a avaliação pré-anestésica é determinante e indispensável! Neste texto, abordaremos detalhadamente tudo o que é essencial para sua compreensão sobre avaliação pré-anestésica.
Segurança do paciente: histórico
A preocupação sobre a segurança do paciente ganhou ainda mais destaque globalmente a partir de 2008, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou a campanha “Cirurgias Seguras Salvam Vidas”. Essa iniciativa visa oferecer orientações abrangentes para mitigar falhas e prevenir danos aos pacientes durante os procedimentos anestésicos cirúrgicos.
No contexto brasileiro, várias resoluções foram promulgadas ao longo dos anos, delineando diretrizes específicas para aprimorar a segurança nesse domínio. A Resolução Nº 2174, datada de 14 de dezembro de 2017, representa um marco nesse cenário ao estabelecer a obrigatoriedade da avaliação pré-anestésica em procedimentos cirúrgicos. Essa resolução não apenas delimita as informações essenciais necessárias para a condução segura da anestesia, mas também objetiva reduzir e controlar os riscos intrínsecos a esse procedimento crucial.
Dessa forma, tanto em âmbito global quanto nacional, as diretrizes e resoluções refletem o compromisso em elevar os padrões de segurança nos processos anestésicos cirúrgicos, garantindo uma abordagem mais precisa e personalizada para cada paciente. Essas iniciativas destacam a importância de uma avaliação pré-anestésica detalhada e a implementação de protocolos consistentes para salvaguardar a integridade e o bem-estar dos pacientes durante todo o processo cirúrgico.
O que é avaliação pré-anestésica (APA)?
A avaliação pré-anestésica é uma etapa determinante no processo para procedimentos cirúrgicos. Essa avaliação envolve a consulta pré-anestésica, durante a qual o anestesiologista analisa o histórico médico do paciente, incluindo alergias, medicações e condições de saúde preexistentes. O objetivo principal é determinar a adequação do paciente para a anestesia e cirurgia.
Qual objetivo da avaliação pré-anestésica?
A função da avaliação pré-anestésica é realizar uma análise minuciosa das condições clínicas do indivíduo, considerando fatores que possam impactar diretamente a administração da anestesia e o desdobramento do procedimento cirúrgico.
Nesse contexto, vai além de uma abordagem padrão, sendo personalizada para cada paciente. Essa abordagem é determinante para compreender as particularidades de cada caso, levando em consideração histórico médico, alergias, condições pré-existentes, uso de medicamentos regulares e qualquer outro elemento relevante para a segurança do paciente.
Avaliações mais específicas, como a análise das vias aéreas e a classificação do risco cirúrgico, são conduzidas para identificar possíveis complicações durante a administração da anestesia.
Além disso, a avaliação pré-anestésica é uma oportunidade para o médico explicar o tipo de anestesia mais indicado para o procedimento, esclarecendo os riscos e benefícios associados. O paciente também recebe orientações sobre cuidados pré-operatórios, como o jejum adequado, contribuindo para a preparação eficaz do organismo para a intervenção cirúrgica.
Em suma, o objetivo da avaliação pré-anestésica é mitigar riscos, adaptar o plano anestésico às necessidades individuais e proporcionar segurança ao paciente ao longo de todo o processo.
Quem deve realizar a avaliação pré-anestésica do paciente?
A avaliação deve ser conduzida por um profissional altamente qualificado: o médico anestesiologista.
De acordo com a Resolução CFM 1802/06, Art. 1o a, desde 2006, é estabelecido que o médico anestesista é o profissional designado para ser o responsável pela Avaliação Pré-Anestésica (APA) no Brasil, conforme preconizado pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
Este especialista passou por uma extensa formação acadêmica, dedicando 9 anos de estudos específicos para a função, além de receber um treinamento abrangente durante a residência médica em clínica médica. Essa residência compreende diversas áreas, como nefrologia, cardiologia, hematologia, pneumologia, neurologia, endocrinologia, entre outros.
O anestesiologista, sendo um verdadeiro expert em avaliação pré-anestésica, é a autoridade no assunto devido à sua amplitude de conhecimento. Sua expertise se estende por diversas disciplinas médicas, permitindo uma análise abrangente e detalhada das condições clínicas dos pacientes antes do procedimento cirúrgico.
Quando realizar a avaliação pré-anestésica?
Quanto à realização da avaliação pré-anestésica, este procedimento é essencial para qualquer intervenção cirúrgica, independentemente de sua magnitude. Seja um procedimento pequeno ou extenso, sempre que envolver sedação ou anestesia, a avaliação pré-anestésica é imprescindível.
Em grande parte dos casos, a avaliação ocorre dias antes do procedimento em uma consulta exclusiva com o anestesiologista. Esta abordagem visa minimizar os riscos inerentes ao procedimento anestésico, desmistificar concepções equivocadas, e esclarecer dúvidas pertinentes ao paciente. Assim, tanto a família quanto o paciente chegam à internação mais bem preparados e confiantes em relação ao procedimento que será realizado. Essa antecipação da avaliação contribui para um ambiente mais seguro e confortável durante todo o processo cirúrgico.
Como é a consulta pré-anestésica?
A consulta é subdividida em importante etapas como veremos a seguir:
Entrevista inicial:
- Estabelece o primeiro contato entre o paciente e o anestesiologista.
- Permite conhecer a história clínica, medicamentos em uso, alergias e problemas de saúde.
- O anestesiologista fornece orientações prévias, incluindo cuidados antes, durante e após a anestesia.
- Oportunidade para esclarecer dúvidas sobre o controle da dor e acompanhamento pós-operatório.
Avaliação das vias aéreas:
- Realizada por meio de exame físico e instrumentos específicos.
- Identifica possíveis dificuldades na ventilação e intubação durante a cirurgia.
- Auxilia no planejamento anestésico.
- Se identificadas alterações significativas, exames complementares podem ser solicitados.
- Introdução de medicamentos pode ser necessária para minimizar riscos identificados.
Solicitação de exames complementares:
- Dependendo dos riscos identificados e da presença de doenças relevantes, avaliações mais detalhadas podem ser necessárias.
- Solicitação de exames específicos para uma análise mais criteriosa da condição do paciente.
Durante a avaliação pré-anestésica, diversos exames podem ser solicitados, dependendo das características e histórico de saúde do paciente. O eletrocardiograma (ECG) é frequentemente requerido, especialmente em pacientes com mais de 40 anos, sendo obrigatório para aqueles com 50 anos ou mais, ou que possuam condições cardíacas específicas, como doença coronariana, arritmias e hipertensão.
O hemograma é indicado em extremos de idade, em procedimentos invasivos, e em casos de comorbidades, enquanto o coagulograma é solicitado em situações de coagulopatias, uso de anticoagulantes ou cirurgias de grande porte com alto risco de sangramento.
A avaliação da função renal (uréia e creatinina) é recomendada para pacientes acima de 40 anos, especialmente os com hipertensão, diabetes, doença renal ou hepática, ou que tenham passado por transplante renal. A análise dos eletrólitos (sódio, potássio, cálcio) é necessária em casos de uso de diuréticos, presença de condições como hipertensão, diabetes ou disfunções renais e hepáticas.
Para pacientes diabéticos, com distúrbios do sistema nervoso central (SNC) ou acima de 50 anos, a glicemia de jejum é um exame relevante. Já o raio-X de tórax é indicado para indivíduos com 75 anos ou mais, aqueles com suspeita de doença cardiorrespiratória, histórico de tabagismo, infecção recente das vias aéreas superiores, ou condições como asma e DPOC debilitantes. Em algumas situações específicas, a idade superior ou igual a 75 anos, histórico de tabagismo, DPOC estável, ou doença cardíaca estável podem ser considerados para a realização do raio-X de tórax.
Termo de consentimento para realização da anestesia:
- Documento que atesta a avaliação pré-operatória realizada pelo anestesiologista.
- Descreve as avaliações conduzidas e esclarece informações sobre o processo anestésico.
- Ao assinar, o paciente autoriza a realização do procedimento anestésico.
Essas etapas, realizadas pelo profissional altamente capacitado, garantem uma abordagem abrangente e personalizada, promovendo a segurança e a confiança do paciente durante todo o processo cirúrgico.
Na consulta pré-anestésica, o médico anestesiologista orientará o paciente sobre os procedimentos e cuidados necessários antes, durante e após a cirurgia, abordando possíveis complicações e efeitos indesejáveis. Durante essa consulta, serão discutidos temas como o período de jejum pré-operatório, a escolha da técnica anestésica, as prescrições de medicamentos habituais e eventuais complicações após a anestesia.
Jejum pré-operatório
Na consulta pré-anestésica, abordaremos a necessidade do jejum. Tradicionalmente, o jejum pré-operatório, com duração de oito a doze horas, é amplamente adotado para garantir o esvaziamento gástrico e prevenir a broncoaspiração durante cirurgias. Originado nas observações de Mendelson em 1946, essa prática mantém sua prevalência, mesmo em períodos de jejum superiores a 12 horas devido a atrasos na programação cirúrgica.
O fundamento para o rigoroso jejum antes da anestesia reside na prevenção da aspiração do conteúdo gástrico para os pulmões durante o sono profundo induzido pela anestesia. Embora esse método tenha sido amplamente seguido, emergências cirúrgicas levantam questões sobre sua aplicabilidade imediata. Estudos recentes apontam que um curto período de jejum não está associado a complicações significativas, abrindo espaço para uma abordagem mais flexível.
Pesquisas contemporâneas sugerem que reduzir o jejum em situações imprevisíveis, como cirurgias de urgência, pode promover uma recuperação mais eficaz. Além disso, evidências indicam que a redução do jejum, combinada com a reintrodução precoce da dieta pós-operatória e menor administração de fluidos intravenosos, está associada a uma significativa redução no tempo de internação. Essa abordagem multifacetada, incluindo o uso de drogas ultrarrápidas e condições seguras de intubação, visa prevenir complicações, como a broncoaspiração.
Saiba mais sobre o jejum em cirurgias de emergência.
Diante dessas evidências, a prática tradicional do jejum pré-operatório tem sido questionada, dando lugar à implementação de novos protocolos institucionais multiprofissionais. No entanto, este é um tópico em constante evolução e debate. Globalmente, ainda persiste a exigência de jejum pré-operatório, mas as discussões continuam, impulsionadas pelo avanço das pesquisas e pela busca de práticas mais eficientes e seguras.
Avaliação pré-anestésica: Classificação de Mallampati
A Classificação de Mallampati é uma ferramenta de avaliação clínica utilizada para prever a dificuldade de intubação endotraqueal em intervenções médicas. Desenvolvida pelo anestesiologista indiano Seshagiri Mallampati, essa classificação fundamenta-se na observação das estruturas da orofaringe.
A análise de Mallampati categoriza os pacientes em distintas classes, considerando a visibilidade das estruturas bucais ao abrir a boca e protrair a língua. A Classificação de Mallampati compreende quatro classes:
- Classe I: O paciente consegue abrir a boca amplamente, proporcionando uma visão nítida do palato mole, úvula, pilares faríngeos e tonsilas.
- Classe II: O paciente pode abrir a boca, mas a visão do fundo da garganta é parcial, exibindo apenas parte do palato mole, úvula e pilares faríngeos.
- Classe III: O paciente enfrenta dificuldade ao abrir a boca, limitando a visibilidade ao palato mole e à base da úvula.
- Classe IV: O paciente apresenta considerável dificuldade em abrir a boca, permitindo apenas a visualização do palato duro.
Essa classificação desempenha um papel essencial na abordagem anestésica, ajudando os profissionais de saúde a antecipar possíveis desafios relacionados à intubação e a tomar decisões embasadas para assegurar a segurança do paciente durante procedimentos cirúrgicos.
Saiba mais sobre intubação em anestesia geral.
Avaliação pré-anestésica: Classificação do risco cirúrgico
A avaliação do risco cirúrgico é um processo sistemático com o intuito de avaliar a probabilidade de complicações durante ou após um procedimento cirúrgico. Essa análise é fundamental para adaptar o plano de cuidados, maximizar a segurança do paciente e assegurar resultados pós-operatórios mais eficazes.
Diversas metodologias são empregadas na classificação do risco cirúrgico, sendo a American Society of Anesthesiologists Physical Status Classification (ASA-PS) uma das mais comuns. Essa classificação categoriza os pacientes em diferentes classes, considerando a presença de comorbidades e o estado geral de saúde, sendo as classes usuais:
ASA 1 (Normal)
Paciente saudável, sem doença sistêmica significativa.
ASA 2 (Leve)
Presença de uma doença sistêmica leve, controlada e sem limitação funcional.
ASA 3 (Moderada)
Doença sistêmica grave, mas controlada efetivamente. Pode haver limitações funcionais.
ASA 4 (Grave)
Doença sistêmica grave e de difícil controle, apresentando risco constante para a vida. Possível limitação funcional severa.
ASA 5 (Moribundo)
Paciente cuja sobrevivência sem cirurgia é improvável. A probabilidade de morte é tão elevada que a cirurgia oferece poucos benefícios.
Essa classificação orienta não apenas as decisões médicas, mas também influencia a escolha da abordagem anestésica, os cuidados perioperatórios e o plano de recuperação. Pacientes com classificações mais elevadas geralmente demandam uma abordagem mais cautelosa, envolvendo uma equipe multidisciplinar para garantir a segurança durante a cirurgia.
Em resumo, a avaliação do risco cirúrgico é uma ferramenta essencial que viabiliza uma abordagem personalizada e segura para cada paciente, buscando resultados cirúrgicos otimizados e minimizando complicações potenciais.
Baseado: Resolução Nº 2174 de 14 de dezembro de 2017 e “Cirurgias Seguras Salvam Vidas” da Organização Mundial da Saúde (OMS).