Um sistema de purificação para o nosso corpo. Esse é o papel prioritário dos nossos rins. Mas, além de mandar embora as impurezas e as toxinas, os rins regulam a água e mantêm o equilíbrio dos minerais – sódio, potássio e fósforo. E não é só isso. Eles ainda liberam hormônios responsáveis por manter a pressão arterial, regulam a produção de células vermelhas no sangue e ativam a vitamina D, responsável por manter a estrutura dos ossos. Sabendo disso, dá para entender como o comprometimento de um deles ou de ambos os rins pode afetar a saúde de uma pessoa, gerando uma insuficiência renal que, muitas vezes, torna-se crônica. É aí que entra o transplante renal.
Segundo dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia, a doença renal crônica atinge 7,2% dos indivíduos acima de 30 anos e 28% a 46% dos indivíduos acima de 64 anos. A estimativa é que, no Brasil, a doença se apresente em mais de dez milhões de pessoas, geralmente, tendo como causa as duas doenças de alta incidência em nossa população: a hipertensão arterial e o diabetes.
Para os casos menos graves, a insuficiência renal pode ser tratada com medicamentos e controle da dieta. Nos casos mais extremos pode ser necessária a realização de diálise ou transplante renal como terapêutica definitiva de substituição da função dos órgãos. Entre as duas opções, a cirurgia de transplante costuma ser a mais indicada, já que permite uma rotina com mais liberdade e oferece maior qualidade de vida.
O que é transplante renal?
O transplante renal é uma intervenção cirúrgica complexa e transformadora, oferecendo uma nova perspectiva de vida para aqueles afetados pela insuficiência renal. Este procedimento envolve a transferência de um rim funcional de um doador para um receptor, buscando restaurar as funções renais comprometidas.
Vamos explorar detalhadamente esse procedimento.
Quem precisa de transplante renal?
O transplante renal é uma alternativa eficaz para aqueles que enfrentam complicações sérias de saúde devido à insuficiência renal. Esta intervenção é indicada para pacientes que, apesar de tratamentos convencionais, como medicamentos e diálise, não obtiveram uma melhoria adequada em sua condição renal.
Geralmente, as pessoas que necessitam de um transplante renal apresentam insuficiência renal crônica em estágio avançado, com comprometimento significativo da função renal. Essa condição pode ser resultado de diversas causas, como doenças renais hereditárias, diabetes, hipertensão arterial, entre outras.
Os candidatos ideais para o transplante renal passam por uma criteriosa avaliação médica para determinar a viabilidade do procedimento. Fatores como idade, condições de saúde gerais e a capacidade do paciente em aderir ao tratamento pós-transplante são considerados nesse processo de seleção.
O que é diálise?
Essa terapia é utilizada para remover toxinas e resíduos do sangue, equilibrar os eletrólitos e controlar a pressão arterial quando os rins não conseguem realizar essas funções de maneira eficaz.
Apesar de ser uma intervenção vital para muitas pessoas com insuficiência renal crônica, a diálise possui limitações. Em alguns casos, mesmo com a diálise, a função renal pode continuar deteriorando-se ao longo do tempo. Além disso, o processo de diálise pode impor restrições ao estilo de vida dos pacientes, exigindo sessões frequentes e um comprometimento contínuo.
Quando a diálise não é mais suficiente para manter uma qualidade de vida adequada ou quando os efeitos colaterais e as limitações se tornam desafiadores, o transplante renal emerge como uma opção mais abrangente e eficaz. O transplante oferece a oportunidade de restaurar a função renal de maneira mais completa, permitindo que os pacientes retornem a uma vida mais próxima do normal, com menor dependência de procedimentos regulares de diálise.
Uremia
A insuficiência renal, se não for adequadamente tratada por meio de procedimentos como diálise ou transplante renal, pode levar a complicações graves e potencialmente fatais. Quando os rins não conseguem desempenhar suas funções essenciais, ocorre um acúmulo de toxinas e resíduos no sangue, resultando em uma condição conhecida como uremia.
A uremia é caracterizada por uma série de sintomas debilitantes, incluindo fadiga extrema, náuseas, vômitos, perda de apetite, confusão mental e inchaço generalizado. Além disso, a pressão arterial pode ficar descontrolada, levando a complicações cardiovasculares. A falta de equilíbrio dos eletrólitos pode afetar negativamente os ossos e o sistema nervoso.
Ao longo do tempo, a uremia pode evoluir para uma condição perigosa conhecida como encefalopatia urêmica, que pode causar convulsões, coma e, em casos extremos, resultar em óbito.
Portanto, é fundamental buscar tratamento adequado para a insuficiência renal, seja por meio de diálise para auxiliar na filtragem do sangue ou, idealmente, por meio de um transplante renal, que oferece a oportunidade de restaurar a função renal e melhorar significativamente a qualidade de vida do paciente.
Transplante renal: doador de rim, doador vivo e os riscos da doação
Qualquer pessoa saudável pode ser considerada para doação de rim.
O órgão transplantado pode ser proveniente de doadores vivos, frequentemente familiares ou doadores cruzados, ou de doadores falecidos. Em ambos os casos, o rim implantado assume as funções vitais que se tornaram inviáveis no órgão doente do receptor.
Doador vivo
A doação de rim por pessoas vivas é possível devido à capacidade do corpo humano de funcionar adequadamente com apenas um rim. Os doadores vivos passam por uma avaliação médica rigorosa para garantir que a doação não prejudique sua saúde a longo prazo.
A cirurgia para remover um rim é um procedimento invasivo e, como qualquer cirurgia, apresenta riscos como infecção, sangramento e complicações anestésicas. No entanto, esses riscos são geralmente baixos. Tal como também é bastante raro o risco de insuficiência renal no rim restante do doador.
A avaliação cuidadosa do doador visa minimizar esse risco, selecionando indivíduos saudáveis.
O que significa “doador cruzado”?
O doador cruzado é uma estratégia no contexto de transplante de órgãos, especialmente no transplante renal. Nesse processo, duas ou mais duplas de doadores e receptores incompatíveis entre si realizam uma troca de órgãos para criar combinações compatíveis. Isso é especialmente útil quando uma dupla inicial apresenta incompatibilidade entre o receptor e o doador, permitindo que receptores recebam órgãos de doadores compatíveis por meio de uma troca coordenada. Essa abordagem visa ampliar as opções de doadores, superando obstáculos de compatibilidade e contribuindo para o sucesso dos transplantes.
Como é feita a cirurgia de transplante renal?
O procedimento de transplante renal é meticulosamente dividido em duas partes simultâneas, cada uma realizada em salas cirúrgicas distintas. Em uma sala, o órgão do doador é cuidadosamente coletado, envolvendo a retirada do rim, parte de uma artéria, parte de uma veia e do ureter. Simultaneamente, em outra sala, o paciente receptor está sendo preparado para receber o novo rim.
Uma vez que o rim coletado chega à sala de preparação do receptor, inicia-se o processo de reconexão do órgão ao novo hospedeiro. Essa etapa delicada é realizada com precisão cirúrgica para garantir o funcionamento adequado do rim transplantado.
A cirurgia de transplante renal geralmente leva de 3 a 4 horas. No entanto, o tempo pode variar dependendo da complexidade do caso e de outros fatores. Durante a cirurgia, são realizados procedimentos específicos para garantir a adequada conexão vascular e urinária do novo rim.
Em situações em que o rim doente está causando complicações como infecção ou hipertensão, a sua remoção pode ser considerada durante o transplante.
Longevidade
Após o transplante renal bem-sucedido, o rim implantado geralmente demonstra um desempenho sem complicações por anos. No entanto, a longevidade e a estabilidade desse órgão vital estão sujeitas a diversos fatores, incluindo transfusões sanguíneas, histórico de transplantes anteriores, intercorrências durante o procedimento e características específicas do órgão doado.
A manutenção da saúde do receptor, o uso adequado de medicamentos imunossupressores e a vigilância contínua são elementos fundamentais para otimizar o funcionamento a longo prazo do rim transplantado.
Possíveis complicações pós-transplante renal
O transplante renal, apesar de ser uma intervenção vital para restaurar a função renal comprometida, não está isento de desafios e complicações significativas. É fundamental compreender e gerenciar essas complicações para garantir o sucesso a longo prazo do procedimento.
Possibilidade de rejeição do órgão
A rejeição representa um dos principais desafios pós-transplante renal. Mesmo quando os tipos de tecidos são altamente compatíveis, o sistema imunológico do receptor pode identificar o órgão transplantado como um corpo estranho, desencadeando uma resposta imunológica. A rejeição pode variar de leve, controlável com medidas apropriadas, a grave, resultando na destruição do órgão transplantado.
Apesar do uso de imunossupressores, que buscam prevenir a rejeição, episódios de rejeição podem ocorrer. A rejeição aguda, observada nos primeiros meses pós-transplante, pode apresentar sintomas como febre, alterações na produção de urina, dor, inchaço renal e pressão arterial elevada. O diagnóstico preciso muitas vezes exige uma biópsia renal para confirmar a rejeição.
A rejeição crônica, desenvolvendo-se ao longo de meses ou anos, pode levar a uma deterioração progressiva da função renal. O tratamento eficaz geralmente envolve doses elevadas de corticosteróides ou globulina antilinfocítica. Em casos de ineficácia desses medicamentos, a diálise pode ser reiniciada até a disponibilidade de outro rim para transplante.
Aumento no risco de desenvolver câncer
Os receptores de transplante renal enfrentam um aumento significativo no risco de desenvolver câncer, aproximadamente de 10 a 15 vezes mais do que a população em geral. A supressão imunológica, necessária para evitar a rejeição, pode comprometer a capacidade do sistema imunológico de combater o câncer e infecções.
O linfoma, um câncer do sistema linfático, é especialmente mais prevalente em receptores de transplante renal, apresentando uma incidência 30 vezes maior do que na população em geral. Embora o linfoma seja raro, o cuidado e a vigilância são essenciais.
Monitoramento constante
O manejo dessas complicações pós-transplante requer uma abordagem integrada, envolvendo uma equipe multidisciplinar de profissionais de saúde. A avaliação regular, monitoramento atento e intervenções precoces são essenciais para superar esses desafios.
Ao enfrentar as complicações com determinação e cuidados especializados, os receptores de transplante renal podem alcançar resultados positivos a longo prazo. A conscientização sobre essas complicações e a busca por cuidados regulares são passos cruciais para garantir não apenas a sobrevivência do órgão transplantado, mas também a qualidade de vida do paciente.
É importante ressaltar que, mesmo diante dessas complicações potenciais, o transplante renal continua sendo uma opção valiosa, proporcionando uma segunda chance de vida a muitos pacientes com insuficiência renal.
A importância do Anestesiologista durante o processo de transplante de rim
Durante todo o processo de transplante renal, o papel do anestesiologista é fundamental, tanto para o doador quanto para o receptor.
O anestesiologista realiza a avaliação pré-anestésica para mapear possíveis problemas e garantir a segurança dos pacientes. Durante a cirurgia de implante do rim, administra a anestesia, monitora os sinais vitais e está preparado para intervir rapidamente em caso de complicações, contribuindo para um procedimento seguro e eficaz. Além disso, gerencia o controle da dor no período pós-operatório,tanto para o doador quanto receptor, promovendo uma recuperação mais tranquila e confortável para os dois.
Saiba mais sobre o protocolo para avaliação pré-anestésica.
Conclusão
Em conclusão, o transplante renal é uma intervenção segura para restaurar a qualidade de vida de indivíduos com insuficiência renal.
Após o primeiro ano do transplante renal, cerca de 95% dos receptores de rins continuam vivos. A eficiência dos rins transplantados varia, atingindo aproximadamente 95% para doadores vivos e cerca de 90% para doadores falecidos. Ao longo do tempo, uma pequena porcentagem, entre 3 a 5% dos rins de doadores vivos e 5 a 8% dos rins de doadores falecidos, pode deixar de funcionar. No entanto, vale ressaltar que há casos em que os rins transplantados mantêm seu desempenho por mais de 30 anos. Pessoas que passam por transplantes renais bem-sucedidos geralmente retomam uma vida normal e ativa. Esses resultados destacam a eficácia e a durabilidade desse procedimento, oferecendo uma perspectiva otimista para aqueles que optam por essa intervenção.
Veja aqui o Manual de Transplante Renal da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos.