Em busca da máxima segurança do paciente, é fundamental antecipar e atenuar os potenciais riscos associados à anestesia em pacientes obesos, começando pela fase anterior ao agendamento do procedimento anestésico. Nesse contexto, destaca-se a importância crucial de uma análise criteriosa do quadro clínico pelo médico, aliada à realização de uma consulta pré-anestésica minuciosa com o anestesista.
Esta abordagem preventiva não apenas visa a otimização das condições clínicas do paciente, mas também estabelece uma base sólida para a incorporação de estratégias direcionadas, como a ênfase na necessidade de perda de peso. Além do papel fundamental do anestesista, esse cuidado multidisciplinar também envolve outros profissionais, que, de maneira integrada, contribuem para o acompanhamento personalizado e eficaz do paciente obeso. Este enfoque holístico não apenas mitiga possíveis complicações durante o procedimento anestésico, mas também promove uma abordagem abrangente para a saúde global do indivíduo.
Obesidade
Antes de mais nada, precisamos entender o que é obesidade, como identificar, quais são suas causas e riscos.
A obesidade é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como uma condição crônica caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal em diferentes regiões do organismo. Essa condição, além de desencadear inflamação, está associada a diversos fatores de risco para a saúde, contribuindo para o desenvolvimento de condições como diabetes, dislipidemias, síndrome metabólica, aterosclerose, doenças cardiovasculares, pulmonares, esteatose hepática não alcoólica, distúrbios do sono e transtornos do humor.
A obesidade não apenas se apresenta como uma condição crônica, mas também representa um fator de risco significativo para diversas complicações de saúde. Esse panorama destaca a importante necessidade de adotar estratégias preventivas e intervencionistas, visando reverter esse quadro e fomentar uma saúde mais equilibrada e sustentável.
Causas da obesidade
A obesidade é uma condição complexa influenciada por fatores psicológicos, genéticos, estilo de vida e alimentação. Aspectos emocionais, como depressão e ansiedade, podem contribuir para o ganho de peso, assim como distúrbios alimentares relacionados ao estresse. Manter uma dieta equilibrada é crucial, evitando excessos de gordura, açúcar e carboidratos. O sedentarismo, fatores genéticos e disfunções endócrinas também desempenham papéis importantes na obesidade. O estilo de vida moderno, com hábitos alimentares rápidos e falta de atividade física, acentua esse problema de saúde.
Cálculo IMC (Índice de Massa Corporal)
O cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) é uma ferramenta essencial para avaliar a relação entre o peso e a altura de um indivíduo. Essa medida, obtida ao dividir o peso (em kg) pelo quadrado da altura (em metros), fornece informações valiosas sobre a composição corporal e ajuda a identificar possíveis desequilíbrios.
IMC=peso (kg)/altura (m) x altura (m)
Classificação do IMC:
– Menor que 18,5 – Abaixo do peso
– Entre 18,5 e 24,9 – Peso normal
– Entre 25 e 29,9 – Sobrepeso (acima do peso desejado)
– Acima de 30 – Obesidade
Graus da obesidade
A avaliação da obesidade frequentemente utiliza o Índice de Massa Corporal (IMC), considerando obesas as pessoas com IMC acima de 30 e com sobrepeso aquelas com IMC entre 25 e 29,9. Veremos detalhadamente agora.
Sobrepeso (IMC 25,0 a 29,9 Kg/m²):
Este estágio funciona como um alerta, apontando para a pré-obesidade e o risco de doenças associadas, como diabetes e hipertensão. A reversão desse cenário requer mudanças nos hábitos com orientação profissional.
Obesidade Grau 1 (IMC 30,0 a 34,9 Kg/m²):
Neste estágio, são necessários cuidados específicos, como alterações na alimentação com o suporte de profissionais e a incorporação de atividades físicas. Tratamentos mais radicais, como a cirurgia bariátrica, geralmente não são a primeira opção.
Obesidade Grau 2 (IMC 35,0 a 39,9 Kg/m²):
Denominada obesidade moderada, este grau apresenta riscos mais elevados à saúde, exigindo um acompanhamento médico mais rigoroso. A assistência de um endocrinologista e a adoção de mudanças significativas nos hábitos alimentares e atividades físicas são fundamentais para reverter o quadro.
Obesidade Grau 3 (IMC igual ou superior a 40,0 Kg/m²):
Conhecida como obesidade mórbida ou grave, este é o grau mais crítico, muitas vezes associado a várias doenças relacionadas ao peso. Opções cirúrgicas, como a cirurgia bariátrica, podem ser consideradas, mas a decisão deve ser individualizada, envolvendo uma equipe multidisciplinar composta por nutricionistas, médicos especialistas e psicólogos.
Vale ressaltar que se tem entendido que somente um simples cálculo de IMC pode mascarar a realidade e passar um resultado errado. É muito importante analisar a composição corporal, entendendo o percentual de gordura (massa gorda) e músculos (massa magra).
Obesidade no Brasil e no mundo
No contexto brasileiro, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que mais de 20 milhões de indivíduos são diagnosticados como obesos. Entre a população adulta, 12,5% dos homens e 16,9% das mulheres enfrentam a condição de obesidade, enquanto aproximadamente 50% apresentam excesso de peso (sobrepeso).
Vale reforçar que a obesidade no Brasil teve um aumento significativo de 72% nos últimos anos, passando de 11,8% em 2006 para 20,3% em 2019.
No cenário da obesidade infantil, estatísticas do Ministério da Saúde e da Organização Panamericana da Saúde indicam que 12,9% das crianças brasileiras entre 5 e 9 anos e 7% dos adolescentes de 12 a 17 anos enfrentam esse desafio de saúde.
Confira aqui o Mapa da Obesidade no Brasil da ABESO.
No âmbito global, a Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que em 2025 mais de 2 bilhões de adultos estarão acima do peso, com aproximadamente 700 milhões considerados obesos. Além disso, até 2030, estima-se que mais da metade da população mundial será impactada pela obesidade, destacando a gravidade dessa questão em termos de saúde pública.
Anestesia em pacientes obesos: risco de cirurgias e procedimentos
Retornando à nossa questão inicial, é importante abordar agora os riscos associados a cirurgias e anestesia em pacientes obesos. A obesidade amplia significativamente o perigo envolvido em procedimentos anestésicos, abrangendo desde cirurgias bariátricas até outras intervenções necessárias.
É necessário destacar que pacientes obesos frequentemente passam por cirurgias não relacionadas à obesidade (cirurgia bariátrica), como qualquer outro indivíduo. No entanto, para garantir sua segurança, questões específicas precisam ser minuciosamente consideradas. Mesmo procedimentos cirúrgicos seguros para pacientes saudáveis carregam algum risco, e a importância de minimizá-los em pacientes obesos é ainda mais imprescindível.
Com o aumento global da obesidade, é esperado que esse público passe por procedimentos cirúrgicos em algum momento, gerando preocupações para pacientes, anestesistas e cirurgiões. Pacientes obesos apresentam maior risco para complicações respiratórias e cardiovasculares.
Essa necessidade enfatiza a importância de uma abordagem personalizada e cuidadosa para assegurar a segurança e o êxito desses procedimentos.
Diante desse cenário, o papel do anestesiologista torna-se ainda mais determinante, desempenhando um papel determinante na segurança e bem-estar desses pacientes durante o processo cirúrgico.
Anestesia em pacientes obesos: riscos para o sistema respiratório
Pacientes com excesso de peso frequentemente enfrentam desafios respiratórios, incluindo apneia obstrutiva do sono e outras condições que afetam a via respiratória. Durante um procedimento anestésico, é crucial que o paciente seja capaz de respirar eficientemente, garantindo uma ventilação adequada e níveis adequados de oxigenação.
Adicionalmente, a anatomia peculiar de pacientes obesos, como o espaço reduzido na parte posterior da garganta, pode complicar a intubação, um processo essencial para facilitar a respiração e ventilação durante a cirurgia. Se a intubação não for viável, especialmente quando o paciente já está enfrentando problemas respiratórios, a situação clínica pode se deteriorar.
Anestesia em pacientes obesos: riscos para o sistema cardiovascular
O sistema cardíaco de um paciente com excesso de peso enfrenta constantes desafios. Os riscos de eventos como ataque cardíaco, infarto, hipertensão e deficiência de oxigenação são consideravelmente ampliados em indivíduos com sobrepeso. Durante procedimentos anestésicos, essas condições podem se manifestar de forma mais acentuada.
Após a administração da anestesia, o coração pode experimentar aumentos na pressão sanguínea ou aceleração dos batimentos cardíacos, aumentando ainda mais os riscos.
O papel fundamental do anestesiologista em cirurgias de pacientes obesos
Para garantir a segurança durante a anestesia em pacientes obesos, uma série de medidas pode ser implementada para minimizar os riscos associados.
Em casos específicos, os anestesiologistas têm a opção de escolher técnicas como a anestesia local ou a intubação consciente. Adicionalmente, é prática comum recomendar um período de jejum mínimo de 12 horas antes da cirurgia, visando prevenir a pneumonia por aspiração, uma complicação mais propensa a ocorrer nos pulmões de pessoas obesas. A prescrição de medicamentos específicos também pode integrar o protocolo de segurança.
A avaliação pré-anestésica, realizada antes de qualquer cirurgia, é imprescindível para a segurança do paciente, independentemente do peso. Nesse contexto, o anestesiologista desempenha um papel fundamental ao mapear todos os riscos, conduzir os acompanhamentos necessários, avaliar a condição física e, quando necessário, prescrever medicamentos para condições como hipertensão ou recomendar a perda de peso, especialmente em pacientes obesos. A avaliação pré-anestésica desempenha um papel ainda mais determinante no caso de pacientes obesos, sendo conduzida muito antes de o paciente entrar na sala de cirurgia.
Saiba mais sobre o protocolo de avaliação pré-anestésica.
Frequentemente, uma abordagem multidisciplinar é adotada, envolvendo profissionais como nutricionistas ou educadores esportivos para monitorar as atividades físicas e hábitos alimentares do paciente. Essa colaboração visa garantir que o paciente esteja desenvolvendo e mantendo uma rotina mais saudável, contribuindo para um procedimento anestésico mais seguro e eficaz.