Antes de falarmos sobre as Infecção pós cirurgia na visão do anestesiologista, precisamos entender que as infecções hospitalares são um desafio significativo para pacientes, especialmente para os que possuem condições mais críticas. Cerca de 80% das infecções são provenientes de:
- Infecção do trato urogenital
- Infecção de sítio cirúrgico
- Infecção da corrente sanguínea
- Pneumonia
Cada tipo de infecção tem sua peculiaridade em termos de mortalidade e custos associados. Por exemplo, a infecção no trato urinário, embora tenha maior representação nos casos, possui menor mortalidade. Já as infecções da corrente sanguínea e a pneumonia, embora sejam menos comuns, são as que mais possuem custo atrelado e alta mortalidade.
Diversos fatores de risco contribuem para o surgimento dessas infecções, incluindo obesidade, tabagismo, diabetes, uso de corticoides, desnutrição e tempo de internação.
Durante o período intraoperatório, é essencial padronizar condutas para prevenir infecções, com ênfase na otimização do paciente cirúrgico. Nesse sentido, o anestesiologista desempenha um papel importante, contribuindo para a redução da morbidade associada às infecções hospitalares. Essas intervenções são fundamentais para garantir a segurança e o bem-estar dos pacientes hospitalizados.
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Medidas básicas de prevenção de infecção pós cirurgia
É fundamental implementar medidas básicas para prevenir Infecções pós cirurgia, complementando os cuidados intraoperatórios. O anestesiologista, com sua posição privilegiada para observar o ambiente cirúrgico, deve garantir que toda a equipe cumpra tais medidas. As precauções básicas se dividem em cuidados com o paciente, a equipe e o ambiente.
Para o paciente, o banho pré-operatório com antisséptico degermante é indispensável, mesmo em procedimentos simples. Já a equipe cirúrgica deve realizar uma escovação minuciosa com solução antisséptica, usando equipamento estéril e de uso individual. O uso de vestimenta estéril e equipamentos de proteção individual é imprescindível para todos os profissionais envolvidos.
A sala cirúrgica deve permanecer fechada durante o procedimento para garantir adequada ventilação, umidade e temperatura. A pressão positiva deve ser mantida dentro da sala em relação aos corredores, e o número de pessoas deve ser minimizado. Estas medidas simples, porém rigorosas, são necessárias para prevenir infecções durante procedimentos cirúrgicos.
Antibioticoprofilaxia
A utilização adequada da antibioticoprofilaxia é essencial para prevenir Infecção pós cirurgia. Apesar de ser uma medida simples e comprovadamente eficaz, muitas vezes é negligenciada, o que pode resultar na seleção de microrganismos resistentes. Surpreendentemente, o aumento da incidência de infecções raramente é atribuído a erros na administração de antibióticos.
Estudos datando de 1969 já demonstraram os benefícios da antibioticoprofilaxia pré-operatória, reduzindo a ocorrência de infecções cirúrgicas e sepse. É determinante que os níveis sanguíneos e teciduais do antibiótico estejam acima da concentração inibitória mínima no momento da incisão cirúrgica, o que geralmente requer administração de 30 minutos a uma hora antes do procedimento. Em casos onde o garrote é utilizado, a dose do antibiótico deve ser completada antes da sua insuflação.
A escolha do antibiótico ideal depende do tipo de procedimento e dos patógenos mais frequentes.
Controle Glicêmico na prevenção de infecções pós cirurgia
O diabetes mellitus é reconhecido como um dos fatores de risco para Infecção pós cirurgia, e mesmo indivíduos não diabéticos enfrentam riscos de morbimortalidade associados à hiperglicemia.
O aumento da glicose em pessoas saudáveis temporariamente reduz o número total de linfócitos e desativa imunoglobulinas através da glicosilação não enzimática. Estudos demonstraram que os neutrófilos em pacientes diabéticos apresentam deficiências na resposta imunológica, mas essas funções podem ser restauradas em ambientes com níveis normais de glicose.
Estudos também mostraram que a manutenção dos níveis de glicose abaixo de 110 mg/dL, através de infusões de insulina, em pacientes gravemente enfermos reduziu significativamente a mortalidade, praticamente a metade, de 8,4% para 4,6%. Em pacientes cirúrgicos, a infusão contínua de insulina para manter os níveis de glicose abaixo de 200 mg/dL reduziu a incidência de mediastinite em 66%.
Embora sejam necessários mais estudos clínicos para definir a importância do controle rigoroso da glicemia durante a cirurgia, as evidências indicam que níveis de glicose acima de 200 mg/dL são inadequados durante o procedimento.
Prevenção e Tratamento da Hipotermia
No contexto cirúrgico, a hipotermia moderada, entre 34 a 36ºC, é comum e traz várias complicações, como prolongamento do tempo de internação, aumento do sangramento e da necessidade de transfusão.
Um estudo com 400 pacientes cirúrgicos revelou que a hipotermia aumenta significativamente a incidência de infecção da ferida cirúrgica (18,8% versus 5,8%). Pacientes com temperatura normal apresentaram melhores índices de cicatrização e menor necessidade de intervenções adicionais.
A hipotermia também prejudica a circulação sanguínea, reduzindo a perfusão do tecido e a concentração de oxigênio na ferida. Isso compromete a resposta imunológica do corpo, dificultando a destruição de bactérias e promovendo condições inflamatórias, prejudicando a produção de colágeno.
Infecção pós cirurgia
Reposição volêmica
A reposição volêmica durante procedimentos cirúrgicos é essencial para compensar as perdas decorrentes do jejum, do terceiro espaço e sanguíneas, além de manter a estabilidade cardiovascular e o débito urinário. Manter um volume intravascular adequado é determinante para garantir uma oxigenação suficiente dos tecidos.
Em um estudo com 56 pacientes submetidos à cirurgia do cólon, foram testadas duas estratégias de hidratação, uma mais conservadora e outra mais agressiva. Embora a hidratação menos intensa tenha resultado em melhor oxigenação dos tecidos subcutâneos, não houve diferença na incidência de infecção da ferida cirúrgica.
Outra abordagem inclui o uso de coloides, que demonstrou reduzir a necessidade de cristaloides para manter a estabilidade hemodinâmica e o débito urinário, além de aumentar a oxigenação dos tecidos subcutâneos. No entanto, um estudo que restringiu a hidratação durante cirurgias do trato gastrointestinal encontrou resultados positivos, incluindo um retorno mais rápido da função intestinal e uma redução no tempo de internação. Esses achados ressaltam a importância de uma abordagem individualizada na reposição volêmica durante procedimentos cirúrgicos.
Estratégias de ventilação pulmonar intraoperatória
As complicações pulmonares após cirurgias representam uma parcela significativa de morbimortalidade. A formação de áreas de atelectasia durante a cirurgia, levando à hipoxemia, juntamente com a hidratação excessiva e subsequente perda da função pulmonar, pode prolongar o tempo de ventilação mecânica, aumentando assim os riscos de infecção.
Em 1963, Bendixen e colaboradores introduziram o conceito de atelectasia intraoperatória, sugerindo que a hiperinsuflação pulmonar durante a anestesia poderia restaurar a oxigenação arterial e a complacência pulmonar. No entanto, a compressão mecânica do parênquima pulmonar, a absorção de gás e a disfunção do surfactante contribuem para a formação dessas áreas colapsadas, especialmente em pacientes submetidos à anestesia geral.
Para evitar complicações pulmonares, como atelectasia, durante e após a cirurgia, são recomendadas manobras de recrutamento alveolar, seguidas pela aplicação de pressão positiva ao final da expiração. Essas medidas ajudam a reduzir a lesão pulmonar pela ventilação mecânica, diminuindo o tempo de internação na UTI e a incidência de pneumonia. No entanto, é importante realizar essas manobras com cautela, garantindo o equilíbrio hemodinâmico do paciente.
Transfusões sanguíneas na prevenção de infecções pós cirurgia
Transfusões de sangue durante o período intra e pós-operatório representam um fator de risco para o desenvolvimento de infecções em pacientes cirúrgicos, conforme evidenciado em vários estudos. Pesquisas bem elaboradas estabeleceram uma clara associação entre transfusões e infecções em cirurgias cardíacas, ortopédicas, traumáticas e colorretais, enquanto a utilização de sangue autólogo demonstrou uma redução nas infecções pós-operatórias.
Um estudo multicêntrico realizado em diversos centros no Canadá revelou uma incidência aumentada de infecções da ferida cirúrgica e sepse abdominal em pacientes submetidos a cirurgias colorretais que receberam transfusões de sangue. A presença de leucócitos nas transfusões sanguíneas também foi associada à predisposição para infecções da ferida cirúrgica. No entanto, uma metanálise de estudos randomizados não mostrou uma vantagem clara na redução de infecções com a leucorredução, embora tenha sido observada uma redução quando os pacientes que não necessitaram de transfusões foram excluídos.
Além disso, em um estudo envolvendo mais de 6.000 pacientes submetidos a cirurgias cardíacas, aqueles que receberam sangue armazenado por mais de 14 dias apresentaram maiores complicações pós-operatórias, incluindo intubação prolongada, falência renal, sepse e falência de múltiplos órgãos, comparados aos que receberam sangue armazenado por um período menor. A taxa de sobrevivência também foi menor nesse grupo. Considerando esses resultados, a utilização de sangue autólogo pode ser uma opção a ser considerada, pois apresenta um menor risco de infecções quando comparado com o sangue alogênico.
Conclusão:
Como vimos, as infecções hospitalares representam um desafio significativo para a saúde dos pacientes, especialmente durante o período pós-operatório. É fundamental abordar essas infecções com uma estratégia multifacetada que inclua medidas de prevenção antes, durante e após o procedimento cirúrgico.
A implementação de medidas básicas de prevenção, como o controle adequado da glicemia, a profilaxia antibiótica e a manutenção da temperatura corporal durante a cirurgia, desempenha um papel fundamental na redução do risco de infecções. Além disso, estratégias como a reposição volêmica adequada e o uso prudente de transfusões sanguíneas contribuem para a segurança e o bem-estar dos pacientes cirúrgicos.
O papel do anestesiologista é essencial nesse processo, coordenando e executando essas medidas durante o procedimento cirúrgico. Ao garantir a adesão às diretrizes de prevenção de infecções, os anestesiologistas desempenham um papel importante na redução da morbimortalidade associada às infecções hospitalares.
Em última análise, a prevenção de infecções durante o processo cirúrgico é fundamental para melhorar os resultados clínicos e reduzir os custos hospitalares, promovendo assim a segurança e o bem-estar dos pacientes.
Referência: Como o anestesiologista pode contribuir para a prevenção de infecção no paciente cirúrgico.
Se você é da área médica, vale ler esse artigo em detalhes.
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